DÓI MAIS QUE TAPA
AMEAÇAS, CHANTAGENS, COMPARAÇÕES, MENTIRAS E HUMILHAÇÕES.
(TEM COISAS QUE NUNCA DEVEM SER DITAS A UMA CRIANÇA.)
Palmada dói, beliscão também, puxão de orelha é horrível e surra então, nem se diga. Mas o que poucas pessoas se dão conta é que as palavras também machucam. Podem doer, humilhar, provocar medos e causar muitos danos. Ninguém sai ileso de agressões verbais sarcásticas, chantagens, comparações e ameaças, principalmente quando elas vêm de pessoas queridas, nas quais depositamos confiança. Travestidas de desabafos, essas frases têm o poder de abalar o amor próprio, a coragem e a iniciativa de qualquer um, e quando se trata de uma criança, podem causar estragos irreversíveis para a auto-estima dela. A armadilha é que são ditas pelo pais em momentos de tensão e seu sentido destrutivo passa facilmente despercebido. Então, o melhor é ficar atento e morder a língua antes de dizer à criança alguns desses impulsivos ataques verbais.
COMO VOCÊ É LERDO! Se você falar a uma criança que ela é lerda, boba, ou uma “peste”, esteja certa de que ela “vestirá a camisa”, ou seja, corresponderá ao rótulo que lhe está sendo atribuído. Faça o contrário: enalteça suas qualidades. Para a criança, a palavra dos pais é lei.
BEM FEITO! Falei que você ia se machucar... Tudo bem, a criança errou e já está pagando um preço por isso: sente dor. Assim, não precisa ouvir uma bronca tão maldosa. A experiência mal-sucedida pode e deve servir de lição para o futuro. Por isso, primeiro acolha a criança e cuide do machucado. Transforme o fato numa experiência construtiva e não imobilizadora. Afinal, é errando que se aprende.
ESPERA SÓ O TEU PAI CHEGAR. Essa frase é um verdadeiro atestado de fragilidade. A mãe que diz isso não pode se queixar de que os filhos não a respeitam. Com frases assim, além de perder a própria autoridade, a mulher transforma o marido num algoz, a quem os filhos devem temer.
MAMÃE VOLTA RAPIDINHO. Usar esse tipo de artifício para amenizar a culpa na hora de sair e não ver o filho chorar só aumenta a ansiedade da criança. Ela percebe a insegurança da mãe e sente-se extremamente fragilizada, com medo de ser abandonada de fato. O melhor é relacionar seu retorno a algo que ela entenda claramente: “mamãe volta na hora do jantar”, por exemplo.
A VACINA NÃO VAI DOER NADA! Nada pior do que negar a realidade. O que os pais precisam dizer é que a vacina pode doer um pouco, sim, mas evita doenças perigosas. Se a criança for bem informada sobre o que está acontecendo a ela, vai se sentir segura e mais calma para enfrentar uma dor ou desconforto.
SE NÃO SE AGASALHAR VAI TOMAR INJEÇÃO. Ameaças em geral são verdadeiros desastres em matéria de educação. No caso da injeção é ainda pior, porque, de repente, o feitiço volta-se contra o feiticeiro e os pais se vêem obrigados a convencer o filho, diante de uma doença, que a injeção que o médico receitou não é tão ruim assim.
NÃO VAI LÁ QUE TEM BICHO-PAPÃO! Incutir medo é a forma que muitos pais encontram para manter os filhos grudados aos seus pés. Revela na realidade, o medo que eles próprios sentem de ver as crianças crescendo e se tornando independentes. O resultado é previsível: filhos medrosos, inseguros e, às vezes, preconceituosos, pois, além do bicho-papão, frases desse gênero costumam eleger a figura do mendigo ou do “homem do saco” como vilões.
VOCÊ NÃO FAZ NADA DIREITO! Ou será que foram os pais que não ensinaram da maneira correta? Ao ouvir uma frase desse tipo, é óbvio que a criança se sente incapaz. Mas os erros dela podem ser resultados da incapacidade do adulto de se comunicar numa linguagem acessível. Além disso, cada criança tem um ritmo para aprender e sua capacidade jamais deve ser subestimada.
NÃO FEZ MAIS DO QUE A OBRIGAÇÃO. Essa é uma frase perfeita para transformar uma grande conquista da criança numa triste decepção. Diante do próximo desafio, é mais do que certo que ela não tenha o menor desejo de se esforçar.
PÁRA DE CHORAR, MENINO! Se não há dor, nem fome, nem cansaço, é provável que o choro seja uma forma de chamar a atenção. Procure ouvir o que a criança está tentando dizer e atenda à sua solicitação na medida do possível. Claro que ela também precisa entender que a disponibilidade e a paciência do outro têm limites. Ou seja, se mesmo satisfeita ela continua a chorar, os pais têm todo o direito de mandá-la parar, de maneira tranqüila, mas firme.
DEPOIS EU LEVO VOCÊ... Nunca prometa algo que você não possa cumprir. Para criança, a palavra dos pais é lei. E se você de fato tem intenção de levá-la ao lugar prometido um dia, especifique a data. Adultos estão acostumados a lidar com o tempo relativo, crianças não. Ou seja, para elas, o “depois” pode ser o minuto seguinte e elas se frustarão se não acontecer o que os pais prometeram. Promessa não cumpridas representam um duro golpe na relação de confiança entre pais e filhos.
TÃO TEIMOSO QUANTO O PAI. Pai e mãe são modelos a serem seguidos. Por isso, é sempre bom destacar as qualidades de cada um deles, não os seus defeitos. Mas o ideal mesmo é evitar comparações. A criança pode se sentir presa a um modelo, o que impede o desenvolvimento de sua própria personalidade.
SEU PAI NÃO PRESTA, ELE NEM VEIO TE VISITAR! Usar o filho para descarregar a raiva contra um ex-companheiro é mais comum do que se pensa. Isso não quer dizer o que o casal precise fingir que ainda se ama, pois os filhos são suficientemente espertos para perceber que não existe mais amor entre os pais. Mas eles precisam saber que continuam a ser amados da mesma maneira pelos dois. Do contrário, podem até desenvolver a fantasia de que são culpados pela separação.
DE QUEM VOCÊ GOSTA MAIS: DO PAPAI OU DA MAMÃE? Perguntas desse tipo têm o único objetivo de massagear o ego do adulto e acabam gerando um conflito para o qual a criança não está preparada. Entre os três e os cinco anos, os pequenos desenvolvem uma atração inconsciente pelo genitor do sexo oposto, o que é natural e importante para a formação de sua identidade sexual e amadurecimento psíquico. Pode ocorrer também que, no momento da pergunta, eles tenham acabado de levar uma bronca do pai, e obviamente, estejam gostando muito mais da mamãe. Seja qual for a situação, qualquer resposta vai despertar um sentimento de culpa na criança.
OLHA QUE O PAPAI NOEL NÃO TRAZ PRESENTE... Comprar o bom comportamento é literalmente, um mau negócio. É por meio do exemplo recebido em casa que seu filho deve construir seus valores morais e éticos, independente das vantagens materiais que possa obter deles.
SUA IRMÃ VAI TÃO BEM NA ESCOLA E VOCÊ NÃO. Nada mais inadequado do que comparar qualquer desempenho ou atitude do seu filho com o de um irmão. Claro, ele ficará enciumado, perceberá o irmão como um rival e não melhorará sua performance nos estudos a partir disso. Ao contrário, provavelmente vai sentir-se inseguro e pouco estimulado. E, de quebra, ainda pode resolver marcar a “diferença”, piorando seu desempenho. Lembre-se: nenhuma criança é igual a outra, mas todas podem ser incentivadas a desenvolver seu próprio potencial.
NÃO SEI E NÃO ME AMOLA! Muitos pais temem passar uma imagem de fragilidade para a criança e disparam logo uma frase agressiva para não reconhecer sua ignorância em determinados assunto. Seja honesto. Você pode dizer que não sabe, mas assim que tiver tempo, vai pesquisar. Ou, melhor ainda, chamar seu filho para pesquisarem juntos.
VOCÊ É CRIANÇA, NÃO ENTENDE DISSO. Pode até ser que o assunto em discussão não devesse ser comentado com as crianças. Nesse caso, elas nem deviam estar presentes na conversa. Mas, se isso ocorreu, procure esclarecer suas dúvidas da melhor maneira que puder.
Fonte: Revista Crescer. Ed. Globo, jan. 1998, No 50, p.46-48